Arquitetura da Flor

Francis Hime - [2006]

Arquitetura da Flor

Arquitetura da Flor, novo cd de Francis Hime, faz jus a seu título por conciliar em 12 canções precisão e sensibilidade, rigor e emoção, cálculo e risco. em justos 45 minutos, dá a sensação, rara, de perfeição: tudo ali funciona e se sustenta como a frágil arquitetura que ele inventa para a rosa que ilustra a capa, imagem poderosa que ganha mais força cada vez que se ouve o disco - sim, este é um disco para se ouvir repetidamente, sempre novo.

assim como o amor para vinicius de moraes, a canção para ser grande tem que ser triste. e é exatamente um certo desalento que tempera as composições, todas recentes e letradas por parceiros que elevaram o sofrimento amoroso ao estado de arte, como cartola (parceria póstuma nos versos de sem saudades) e o próprio vinicius (com a dor a mais), e outros que atualizam esse lirismo desencantado - geraldinho carneiro, abel silva e toquinho.

tristeza, é bom que se diga, aqui não tem nada a ver com fossa ou baixo astral. em melodias e letras, francis é um cultor de uma suave e insidiosa melancolia, a tristeza, romântica, que cobre o mundo de quem ama apaixonadamente e, por isso, vive um constante horizonte de perda, desengano e desamor.

de muitas formas, arquitetura da flor vai no caminho oposto a brasil lua cheia (2003), um disco solar e orquestral, praticamente uma festa. francis diz no encarte que o novo álbum é o "mais livre e despreocupado" que já fez. o resultado é uma aposta nas miniaturas, em arranjos despojados que vão direto ao ponto - emocional, muito emocional, de cada uma das canções.

a esfera mundo perde a atmosfera noir / e ganha um encantamento meio gris /e eu sinto a estranha sensação / de que serei feliz, diz a letra de geraldinho para a musa da tv, resumindo a estranha felicidade de quem está sempre a um passo da perda. não por um acaso, dor e amor, em suas conjugações ou tornadas substantivos, são onipresentes do início ao fim.

por isso, recomenda-se forte e especialmente distância de giletes, gin e outros objetos contundentes à audição de palavras cruzadas, parceria com toquinho que é uma das mais belas do disco. um samba-canção para dolores nenhuma botar defeito, como pode-se julgar por este trecho: mas vem a lembrança recente / de um amor ausente a me torturar / e esse vazio sem jeito / na cama e no peito, me faz relembrar / quando ela fechou-me as saídas, / levou minha vida sem olhar para trás. / dizendo, assim, se desculpando, / baixinho, chorando: / 'eu não te amo mais'. ufa.

a invenção da rosa (com geraldinho), de onde sai o título do disco, conjuga o lado solar e sombrio, uma tranqüila reflexão sobre o que acontece quando não se está mais "entre as estrelas deste mundo aqui". gozos da alma, poema de john donne recriado pelo mesmo parceiro, também parte para a exaltação ambígua do amor que vai embora: te deixo só porque não pode ser; / porque deixei todo o meu ser contigo, / não pode ser porque te levo em mim, / vou te levar comigo até o meu fim.

é injusto pinçar um único ponto alto de um disco cheio deles, mas exerço meu sagrado direito de não ser justo e destaco desacalanto, de francis e olívia hime. é uma canção extraordinária, que parte de uma grande idéia ? mais do que idéia, constatação: do filho que, em algum momento, vira pai do próprio pai e canta para despertá-lo: acorda meu pai / não te deixo dormir / não toque em estrelas / não vá por aí / afasta o delírio / não
ouça a iara / do rio chamar. um primor.

01) a invenção da rosa (francis hime e geraldo carneiro)
02) gozos da alma (francis hime e geraldo carneiro)
03) sem saudades (francis hime e cartola)
04) palavras cruzadas (francis hime e toquinho)
05) a musa da tv (francis hime e geraldo carneiro)
06) desacalanto (francis hime e olivia hime)
07) do amor alheio (francis hime e abel silva)
08) a dor a mais (francis hime e vinicius de moraes)
09) mais-que-imperfeito (francis hime e geraldo carneiro)
10) cadê (francis hime e simone guimarães)
11) história de amor (francis hime e geraldo carneiro)
12) o mar do amor total (francis hime e geraldo carneiro)mar. um primor.

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